A Origem do Homem Americano
A origem do homem americano
Os estudos sobre a origem do homem americano são marcados por debates acalorados entre membros da comunidade científica internacional. Pesquisas arqueológicas, biológicas e paleontológicas têm acrescentado novas informações ao que sabemos sobre o início da aventura humana na América.
Veja a aula A Origem do Homem.
Inicialmente, especulava-se que o homem americano era autóctone, ou seja, teria surgido no próprio continente, tese muito contestada porque até agora não se encontrou na América nenhum fóssil de hominídeo que não fosse de Homo sapiens.
Outra hipótese tradicional é defendida por estudiosos do sítio arqueológico de Clóvis, situado no estado norte-americano do Novo México, que afirmam ser a região a mais antiga em vestígios humanos, com 11.500 anos. Para eles, ao final da última Era do Gelo (que ocorreu entre 100 e 9 mil anos atrás) o nível da água dos mares estava tão baixo por causa da glaciação que fez emergir uma faixa de terra ligando a Sibéria ao Alasca, por onde teriam atravessado grupos humanos oriundos da Mongólia e da Sibéria (Ásia).
No entanto, desde o final da década de 1990, o modelo Clóvis foi bastante questionado quando novas descobertas arqueológicas, no sul do Chile, demonstraram que o ser humano ocupava a região havia pelo menos 14,5 mil anos. Tal descoberta causou grande impacto no meio científico.
Certos especialistas, como o pesquisador Walter Neves, da Universidade de São Paulo (USP), defendem que teria havido dois fluxos principais de migrações para a América, através do Estreito de Bering: o primeiro, ocorrido há aproximadamente 14,5 mil anos, era composto por indivíduos que apresentavam características parecidas com a de africanos e aborígenes australianos. O segundo, ocorrido por volta de 11 mil anos, era composto por indivíduos de origem asiática.
Outro grupo de cientistas acredita que durante a última glaciação, há cerca de 18 mil anos, o tamanho das geleiras entre a Sibéria e a América impossibilitaria a passagem pelo Estreito de Bering, o que os teria feito vir pelo Oceano Pacífico. Alguns cientistas discordam da origem asiática e sustentam que o homem americano teria origem africana e polinésia e teria chegado à América pelo Oceano Pacífico, há 15 mil anos.
A arqueóloga brasileira Niède Guidon, em estudos realizados no município de São Raimundo Nonato, no Piauí, encontrou artefatos e restos de fogueiras de mais de 33 mil anos. A pesquisadora acredita que o homem chegou à América há pelo menos 50 mil anos, vindo da África pelo Oceano Atlântico. No entanto, ainda não foram encontradas evidências fósseis de Homo sapiens com essa idade.
A teoria de Guidon acirrou os debates entre os membros da comunidade científica. É importante lembrar que as discussões sobre o tema sofrem constantes reviravoltas, já que o aparecimento de novas evidências arqueológicas, associadas a estudos genéticos, acrescenta dados importantes ao que se sabe sobre a origem do homem americano.
Os primeiros brasileiros
Os ancestrais humanos deixaram grande quantidade de vestígios por onde passaram. Esses lugares, conhecidos como sítios arqueológicos, foram encontrados na Ásia, Oceania, Europa e nas Américas. Os sítios arqueológicos revelam hábitos, costumes, alimentação e crenças desses homens e mulheres.
Até o final dos anos 1990, especialistas acreditavam na hipótese do modelo Clóvis. Mas pesquisas realizadas em outros sítios arqueológicos americanos encontraram indícios de um povoamento anterior, inclusive no Brasil.
Entre 1834 e 1844, o naturalista dinamarquês Peter Lund descobriu em grutas de Lagoa Santa (MG) os primeiros fósseis humanos no Brasil. Datados em cerca de 11 mil anos, os esqueletos ficaram conhecidos como fósseis do Homem de Lagoa Santa.
Em 1975, nessa mesma região, pesquisadores desenterraram restos fósseis de um ser humano, posteriormente guardados no Museu Nacional, na cidade do Rio de Janeiro. Em 1999, o arqueólogo Walter Neves estudou o fóssil e concluiu que o crânio, de aproximadamente 11.500 anos, era feminino e tinha feições negroides. O resultado da reconstituição do rosto de Luzia, nome dado ao fóssil, demonstrou que ela se parece mais com os habitantes de algumas regiões da África e da Oceania.
Sítios arqueológicos no Brasil
Além de Lagoa Santa, o Brasil possui outros sítios arqueológicos, de enorme riqueza, como os do Parque Nacional Serra da Capivara, criado em 1979 e tombado em 1991 pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade. O parque fica no município de São Raimundo Nonato, no Piauí.
Pesquisas dirigidas pelos arqueólogos Niède Guidon e Fábio Parente revelaram a existência na região de mais de 250 sítios arqueológicos, com um acervo que inclui 30 mil pinturas rupestres. As figuras — signos, objetos, animais e pessoas — estão bem conservadas graças à aridez do clima e à dificuldade de acesso ao local. Segundo Guidon, as pinturas foram datadas em pelo menos 20 mil anos e os restos de fogueiras encontrados nos sítios em mais de 50 mil anos.
A Amazônia também é pródiga em vestígios arqueológicos. Na década de 1990, a arqueóloga norte–americana Anna Roosevelt descobriu pinturas rupestres na caverna da Pedra Pintada (PA) com mais de 11 mil anos e sítios com peças de cerâmica que datam de aproximadamente 9 mil anos. Em 2003, a arqueóloga Edithe Pereira apresentou o resultado de um amplo mapeamento na região amazônica, apontando a existência de 111 sítios arqueológicos em que se encontra vasto patrimônio de arte rupestre.
A periodização da Pré-história americana é diferente da empregada no Velho Mundo. Para facilitar a compreensão desse período, adotamos nesta obra a divisão utilizada por certos especialistas em arqueologia americana: período Lítico, período Arcaico e período Formativo. Essa divisão leva em conta características cronológicas e tecnológicas. É importante lembrar que a Pré-história americana abrange milhares de anos e se estende por uma vasta área. A categorização da Pré-história em três fases distintas é apenas uma ferramenta facilitadora dos estudos a respeito do período.
A Pré-história americana
período Lítico (até 8000 a.C.)
Este período é caracterizado pela existência de grupos de caçadores-coletores. Os vestígios deixados por esses homens mostram que viviam em pequenos grupos, em grandes espaços abertos, e se dedicavam à caça de grandes mamíferos e à coleta de sementes, frutas e raízes. Restos de fogueira encontrados por pesquisadores indicam que utilizavam fogo para cozinhar alimentos, proteger-se do frio e de outros animais.
No sítio arqueológico de Monte Verde, no Chile, localizado em um terreno alagado com água parada e de pouca profundidade, pesquisadores encontraram artefatos de madeira, plantas medicinais, ferramentas, pedaços de carne e ossos de mastodontes, além de pegadas humanas. Graças à formação da turfa, material constituído de restos de vegetais em decomposicão em regiões pantanosas, os fósseis foram preservados. Estima-se que esses fósseis tenham datação entre 13.500 e 11.800 anos.
“No continente americano, viviam animais gigantescos, conhecidos como megafauna, como é o caso das preguiças-gigantes e dos glipodontes, no território brasileiro. Por que eles desapareceram? […] No caso da América, acreditamos que pode ter ocorrido uma confluência de três fatores, pois houve, efetivamente, mudança climática, [aumento da temperatura] com a diminuição da área dos campos e cerrados – os habitais originais desses grandes animais – concomitantemente à expansão da ocupação humana, que pode tanto ter espalhado doenças como extinguido o número desses animais por meio das caçadas. Segundo alguns estudos realizados com o auxílio de simulação com modelos computacionais, em apenas mil anos a caça excessiva seria suficiente para acabar com algumas espécies de animais.”
Os povos dos sambaquis
Os sambaquis foram construídos com fragmentos de conchas e ossos de peixes, que eram depositados uns sobre os outros ao longo de várias gerações. Arqueólogos encontraram nos sambaquis importantes vestígios da presença humana, como moradias, esculturas em pedra, colares, fogueiras, restos de alimentos e recipientes de barro não cozido. Pesquisadores acreditam que os sambaquis podem ter sido utilizados para a prática de rituais e como monumentos funerários.
Os maiores sambaquis brasileiros encontram-se no Estado de Santa Catarina, onde chegam a atingir 30 metros de altura e 400 metros de comprimento.
Alguns sambaquis do país foram declarados patrimônio cultural e tombados pelo governo federal. Porém, essas ações não garantem a integridade desses sítios. Muitos sambaquis foram destruídos para a obtenção de cal, utilizada na construção civil e nas atividades industriais. Programas de educação patrimonial e de conscientização da população que vive nas regiões onde ainda existem sambaquis tentam frear a destruição desse admirável registro da ocupação do litoral americano.
O período Formativo (1000 a.C. – 500 d.C.)
Pesquisas apontam que a Revolução Neolítica em algumas zonas do México, da América Central, da Amazônia e dos Andes teve início entre 5000 e 4000 a.C., em um processo semelhante ao ocorrido no continente europeu, mas cronologicamente posterior. Essa fase caracterizou–se pela coleta sistemática de vegetais; sedentarização e urbanismo incipiente; confecção de cerâmica, cestaria, tecidos e artefatos de pedra associados à agricultura.
A economia agrícola americana, consolidada entre 3000 e 1000 a.C„ caracterizou-se especialmente pelo aproveitamento das espécies vegetais autóctones (milho, batata, abóbora, cacau, mandioca, girassol e outras), graças a técnicas como irrigação, cultivo em terraços escalonados e fertilização. Também há indícios da criação de lhamas e alpacas, membros andinos da família dos camelos.
Na América do Sul, além das culturas andinas, destacaram-se as culturas que surgiram na Ilha de Marajó, os caraíbas, tupis e guaranis, encontrados do Orinoco às regiões meridionais, e os araucanos do Chile e do norte da Argentina.
Fonte:: História das cavernas ao terceiro milênio, de Patricia Ramos Braick e Myriam Becho Mota
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